#05 🥈 A Síndrome de Sancho Pança
Uma reflexão sobre o apreço desenfreado pelo coadjuvantismo protetivo 🤷🏽♂️
Senta que lá vem mais um transtorninho para chamar de meu. Batizado de Síndrome de Sancho Pança, esse fenômeno também pode ser chamado de Síndrome do Patrick do Bob Esponja, Síndrome do Burro do Shrek, Síndrome do Pinky de Pinky e o Cérebro, Síndrome de Olaf de Frozen ou Síndrome de Chelsea das Visões da Raven. São tantas as opções, dentre todas, eu escolhi essa porque soa mais intelectual, e eu tô apostando muito nessa skin pra dar um gás no meu marketing pessoal 🤭
Essa recém-descoberta distorção comportamental diz respeito a todos aqueles que, por algum motivo, acabam se acomodando na posição desaplaudida de personagem secundário na Netflix da vida, seja por não lidar bem com o protagonismo - digo, com o lugar de exposição proposto por ele -, por alguma variante do vírus do autoboicote ou, em alguns casos - os mais graves, eu diria -, pelo desejo consciente de parasitar a narrativa do outro [não dá para descartar essa hipótese]🤷🏽♂️
Fato é que os afetados pelos sintomas da síndrome acabam facilmente assumindo o papel de fiel escudeiro do sonho alheio e nunca do próprio 🥈
Sancho, quem?
Bora lembrar um pouco quem era esse tal de Sancho Pança e por que Dom Quixote gostava tanto dele? Na livro, enquanto Dom Quixote é um idealista implacável, Sancho é um exímio realista e corrige os delírios do amigo sempre que possível. Mesmo assim, o protagonista das quebradas de La Mancha escolheu Pança como confidente e companheiro fiel de suas aventuras
Arrisco dizer: Quixotes como aquele não sobrevivem na vida real sem um pobre criado montado em um burrinho para calcular o risco dos seus devaneios. Mas longe de mim querer vilanizar o cavalheiro. Dom carrega consigo os ensinamentos de um grande pensador brasileiro, Chorão da banda Charlie Brown Jr., que diz: "Só os loucos sabem..." e "Os medos cegam os nossos sonhos"
Quixote metia como um louco em todas as situações e, imerso em sua loucura, mantinha-se aberto para vivenciar grandes aventuras. Agora, imagine se Sancho fosse capaz de utilizar toda essa devoção e lealdade em benefício de sua própria aventura?
Posso apostar que você conhece alguém assim, cheio de potencial, que dedica toda a sua força de trabalho para outra pessoa [uma empresa, um amigo], abrindo mão de viver seus próprios projetos, desafiar seus próprios moinhos de vento e cumprir, triunfante, sua própria jornada do herói.
🫥 Cadê o Well que tava aqui?
Eu desconheço os pilares que formaram a personalidade de Pança, mas esses dias, durante uma sessão da minha terapia, fiquei discorrendo a respeito do conforto que sinto todas as vezes que me vejo na posição de coadjuvante. É como se eu encontrasse um lugar quentinho, eu e minha medalha de prata, sem a necessidade de grandes exposições e longe do julgo da expectativa alheia 📈
Como em quase todas as sessões, quando me faltam as informações necessárias para concluir um pensamento, eu recorro às sensações trazidas por alguma memória da infância. Dessa vez, me lembrei de um desejo antigo. Imagine que você acabou de perguntar ao mini-well de 2003 qual superpoder ele gostaria de ter, rapidamente ele responderia: ficar invisível! 🫥
Veja bem, não se trata de desaparecer existencialmente, mas sim de exercer influência na realidade sem ser visto. Acho que quando comecei a escrever e lá pelas tantas, consegui monetizar a minha escrita, adquiri, de certa forma, os superpoderes que tanto desejei 👨💻
Porque na grande maioria das vezes é assim, você não me vê, mas eu estou sempre ali: em uma campanha publicitária, no conteúdo de um creator, na letra de uma música, na produção de um videoclipe, em um projeto enviado para um edital 😎
Talvez por isso, quando me sinto exposto, como na possibilidade de escrever uma newsletter em primeira pessoa e não mais parasitando uma marca, artista ou projeto, eu me sinta tão frágil, tão inseguro, pensando:
- Caralho, cadê meu Dom Quixote?
Ou livre tradução: caralho, cadê aquele recurso que eu uso pra me manter invisível?
☀️ Bota a cara no Sol, Pança!
É muito intrigante perceber como procuramos no outro aquilo que não temos e, ou mesmo aquilo que evitamos desenvolver, né? Percebi recentemente que meus últimos três chefes são leoninos e os meus dois últimos relacionamentos foram com artistas, cada um deles, à sua maneira, sempre me blindaram do sentimento de exposição. Afinal, eles nasceram naturalmente para o palco e eu me sinto muito confortável com isso 🦁
Mas nos últimos meses, tenho refletido muito sobre isso; sobre quanto tempo ainda vou levar para adquirir o conforto de estar em primeiro plano, de encabeçar um projeto, sem que no dia seguinte eu pense em forjar meu próprio sequestro apenas para ter um dia de completo isolamento social em cativeiro, no subsolo de qualquer edifício paulistano 🏫
No livro "O Cavaleiro Preso na Armadura", o personagem principal narra a dificuldade em baixar as armas e revelar o próprio rosto. Ele acaba, sem querer, se blindando do mundo a ponto de esquecer como era antes de toda a entourage de metal 🛡️⚔️
Eu não quero mais sentir isso. Eu sei que esse papo de ser protagonista da própria vida é muito cafona, mas eu quero experimentar como é. Daqui a pouco, eu chego nos 30 e não quero levar comigo as mesmas paranóias que alimento desde os 10. Eu quero ser CEO de mim, porra 💅🏽
Como uma boa maricona, planejo mentalmente a minha nova era, ela virá acompanhada de um imenso rebranding, uma peruca platinada, meia dúzia de procedimentos com ácido hialurônico e um tom de voz confiante que diz: Isso não me pertence mais [kkkkkk, patético] 🫠
Para dizer que eu não avancei, estou aqui, com um projeto inteiramente meu, me obrigando a driblar meus obstáculos e entregando, semanalmente, um texto que expõe minhas Amenidades Públicas. Outra novidade é que aceitei o convite da Nhaí para mediar um debate sobre empreendedorismo LGBTQIAPN+ em um evento presencial que acontecerá no dia 03/07.
Um desses eventos em que se deve ir com uma roupa bonita porque sabe que vão tirar fotos e postar no insta marcando seu @ [risos]. Fala sério, para alguém que não costuma sair de casa, eu tô ficando bem saidinho.
Obrigado pela companhia nessa reflexão.
Agora, feche este e-mail, ouça Ando Me Perguntando do Rico Dalasam e vá escrever seu projeto!
Até semana que vem :)
Well, não sei se você assistiu a nova temporada de Black Mirror que estreou recentemente na Netflix, mas logo no primeiro episódio intitulado "Joan is awful" (o meu favorito, por sinal) uma das queixas que a protagonista faz para a sua terapeuta é que ela não se sente protagonista da própria história. Essa reflexão me pegou bastante e eu cheguei a conversar sobre isso com o meu namorado, mas me sinto feliz porque sinto que eu sempre fui o protagonista da minha própria história, e ao ponto que assumo o papel de Dom Quixote, fiquei me perguntando se involuntariamente eu não colocava outras pessoas próximas à mim no lugar de Sancho Pança... (reflexivo)
Fico feliz que você tenha chegado nesse momento em que quer ocupar um lugar de protagonista. Acho isso um grande desafio mas tenho certeza de que você dá conta. Essa newsletter é a prova disso!!
P.S.: esse é de longe meu texto favorito até agora na Amenidades Públicas 💛